segunda-feira, setembro 06, 2004

Aborto ao Largo

Nas Ondas


A recente polémica em torno do barco Borndiep, vulgarmente apelidado de Barco do Aborto, assumiu contornos totalmente despropositados face ao que deveria merecer. Os factos são simples: um barco que pertence à fundação holandesa Women on Waves veio a Portugal com o intuito de promover a prática do aborto como meio de contracepção. Esta conclusão não é minha mas do site oficial da organização http://www.womenonwaves.org/. À chegada a águas territoriais portuguesas, o capitão do Borndiep solicitou permissão para atracar no porto da Figueira da Foz. A autorização foi-lhe negada. Estes são os factos.
É claro que os órgãos de comunicação social viram nisto uma excelente oportunidade para vender papel e para ocupar espaço de telejornal. Deu-se tempo de antena privilegiado a tudo quanto eram activistas pró-aborto e fez-se crer que os nossos governantes eram obtusos defensores do conservadorismo bolorento.
Pois bem, será algum crime afirmar a soberania do nosso país face a entidades que pedem para cá vir com o único propósito de afrontar o nosso complexo legal aprovado pela Assembleia da República e legitimado em referendo? Não teremos nós o direito de negar que venham a território português angariar "clientes" para práticas que nós consideramos crime? Não teremos legitimidade para desconfiar de quem diz, no já referido site, que "Portugal é um país retrógrado que persegue e castiga severamente as mulheres que abortam"?
Por mim, não tenho quaisquer dúvidas de que quem decidiu, o fez depressa e bem. Nem sequer está em causa a minha posição sobre o aborto - não concordo que se criminalizem as mulheres que abortem, mas também não aceito que se utilize a Interrupção Voluntária da Gravidez como meio contraceptivo.
O barco veio para dar a tomar pílulas abortivas. E sendo assim, até encerra uma contradição em si. A organização defende que se deve legalizar o aborto para que as mulheres o façam com higiene e cuidados de saúde apropriados. E agora pergunto, que cuidados de saúde iria ter uma mulher que se deslocasse a alto mar para abortar? Ao que se sabe, teria que se deslocar a bordo do Borndiep, pelo menos, 2 vezes fazendo 4 penosas viagens. E se algo corresse mal? A quanto minutos, ou horas, ficaria o hospital mais próximo?
É claro que argumentam que a vinda do barco não serve só para promover a prática do aborto, mas antes e em primeiro lugar para fomentar a discussão pública sobre o tema. Pergunto eu: quem já se sentiu, no nosso país, diminuído na capacidade de promover e debater sobre este ou qualquer outro tema de interesse nacional? Ou seja, eles vieram de barco porque só assim poderiam alcançar a faculdade de, em águas internacionais, se vincularem à lei vigente no país do pavilhão do barco, neste caso, a Holanda.
Um outro aspecto a registar é o aproveitamento, nuns casos mais sério do que noutros, que os partidos políticos da oposição tentaram fazer da situação. Chegaram mesmo ao ponto de pagar €750 (cerca de 150 contos) por pessoa para visitarem o famoso barco. É claro que, ao pagarem também a viagem aos tão neutros jornalistas, sempre aproveitavam para fazer conferências de imprensa onde proclamavam a necessidade de se avançar para as vias judiciais no sentido de contrariar a decisão do governo. Muito eu gostaria de ver as respectivas caras ao saberem da declaração do Ministro dos Negócios Estrangeiros holandês que declarava como legal e normal que Portugal não deixasse entrar o barco.Enfim, a montanha terá parido (porque o não abortou) um rato.

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